Verónica Decide Morrer e a desmistificação da travesti

Verónica Decide Morrer Roxy Music
Reprodução / Clipe de “Roxy Music”

As noites de Fortaleza ficaram marcadas para quem viveu e ainda vive na cena alternativa da cidade. O caminho que parte do Centro para a Praia de Iracema, com a Catedral no percurso, está na urbanice por trás da música de Verónica Decide Morrer.

Narrando o “submundo das travestis de rua e amor”, o grupo queer lança o primeiro álbum de inéditas, escancara o preconceito e brada por empoderamento “sem soar panfletário”. O grupo punk rock/new wave tropical é formado pelos vocalistas Verónica Valenttino e Jonaz Sampaio, que assina a produção do disco ao lado do guitarrista Léo BreedLove. O baixista Eric Lennon e a baterista Vladya Mendes completam.

“O disco tem muito das nossas inquietações, da luta diária de ter que ser aceito. O mundo tá dando uma virada, mas ao invés de estar libertando as pessoas, está trazendo de volta a repressão”, conta BreedLove. “As letras também falam da Verónica como a personagem travesti, mas trazem os sentimentos reais dela. Ela representa tudo o que é a banda, a nossa vivência”.

Empoderamento

Verónica Valenttino conta que a banda vem se emponderando a cada dia. “É a figura de trans – não que eu me intitule assim, me intitulo Verónica – mas dentro dessa nomenclatura é preciso se organizar para conseguir os direitos no Brasil”, explica. “Tudo é conquistado”.

“A principal motivação é a gente conseguir desmistificar a imagem marginal da travesti. Hoje a gente tem travestis doutoras, mestras. E aí a gente tem travesti no rock and roll. As nossas lutas são políticas”, explica. “As portas não podem se fechar por conta da sexualidade. E dentro do meio a gente vai rompendo isso”.

Música urbana

Gravado em Fortaleza e no Rio de Janeiro, o disco homônimo de 10 faixas já teve os dois primeiros singles disponibilizados no soundcloud. “Roxy Music”, com clipe lançado no último dia 31 de janeiro, dois dias após a data mundial que celebra a visibilidade trans, aponta para a contradição de “estar na noite e não ter nada a perder” com a possibilidade de se perder nas ruas.

“Todos nós passamos a juventude entre o Benfica e a Praia de Iracema”, diz o guitarrista. “Era disso que a gente mais gostava. Ouvir rock and roll, ver show, gravar a cidade. Por isso formamos a banda”. Léo lembra de nomes fortes no imaginário alternativo que marcaram o início do grupo, como a extinta Dead Leaves e a gótica Plastique Noir. “Fortaleza também é meio gótica, tem muita luz e muita sombra”.

Influenciados pelo som oitentista de Blondie, Rita Lee e Metrô, os músicos classificam a banda como o resultado de um casamento entre Madonna, Bowie e Rolling Stones. “A gente toca um rock com suingue. É musica pra dançar, se divertir e refletir”.

Após dez anos de carreira, banda cearense prepara documentário

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Alex Costa / Divulgação

As possibilidades para contar histórias são muitas. Na música, as letras, vídeos e performances ajudam. O cenário gótico que o diga. Aliados à estética “sombria” que o estilo inevitavelmente traz, artistas usam essa carga dramática a seu favor na narrativa.

Para passear pela própria linha do tempo, a banda cearense Plastique Noir, uma das mais respeitadas no subgênero musical, prepara o documentário “Imaginary Walls“. Previsto para estrear entre o final de 2015 e o início de 2016, o filme é uma realização da Filmerama Produções.

O longa-metragem é a forma que o grupo encontrou de comemorar os dez anos de carreira em grande estilo. Com três álbuns lançados, mudanças na formação e até convites para se apresentar no exterior, a banda de Airton S., vocalista, e dos irmãos Danyel Fernandes (guitarra) e Deivyson Teixeira (baixo) tem muita história para contar.

Dirigido por Daniel Aragão, “Imaginary Walls” vai ganhar uma premiere especial para o público alencarino no Cineteatro São Luiz Fortaleza. Depois disso, o filme vai entrar em circuito de festivais.

Airton S. conta que o material que permeia momentos cruciais da trajetória, seja em estúdio, palco e bastidores, estava sendo guardado durante anos. “Uma coisa curiosa é que eu batia muito de frente com o Danyel (Fernandes, guitarrista) quanto a isso, porque ele ‘se trancava’ com esse ouro todo e eu sempre assumia uma atitude do tipo ‘vamos liberar tudo na internet’”, afirma. “Graças ao Danyel, nós temos esse material. Ele estava certo o tempo todo e eu errado”, brinca.

O fundador do grupo também se responsabilizou pela pré-roteirização do projeto, “a fim de traçar as direções dos acontecimentos e suas consequências”, assinalando pessoas-chave para a história da Plastique. Entre os entrevistados, o produtor Rafael Lucena e o DJ Dado Pinheiro, que abraçou a banda quando eles ainda nem tinham feito a estréia nos palcos.

Trajetória

Márcio Benevides, ex-guitarrista e membro co-fundador, diz que revisitar a trajetória é “vital e justo”. Para ele, o registro é válido por evidenciar o “dilema” de uma banda que sentiu na pele que a busca pelo profissionalismo “é muito mais ralação e organização que falso glamour”.

“É também um desejo franco de enterrar as mágoas do passado. É um ‘eterno retorno’ muito bacana de se vivenciar”, afirma. O retorno citado por Márcio ocorre na mesma época da estreia do Black Knight Freqüency, novo projeto do músico.

Cena gótica

De acordo com Daniel Aragão, responsável pela direção do longa-metragem, o doc está passando por uma nova montagem e deve ser finalizado nas próximas semanas. Ele afirma que além de passear pela trajetória do grupo, o filme abrange a importância da cena gótica no Brasil.

Aragão reconhece o potencial de comercialização para fora do país e diz que essa relação com a cultura no exterior está sendo pensada. “O filme aborda a musicalidade, e traz muito da estética do suspense e do cinema expressionista, tão valorizado pela sub-cultura gótica”, comenta. “Embora pequeno no Brasil, o movimento tem público fiel no exterior, principalmente na Europa. Acredito que esse é o ponto forte do projeto”.